Coluna

Eu e o strogonoff: tão perto, tão longe

*Rafael Duarte
Professor de Literatura
@rafaelduarte_silva

Foto: Pixabay

Outro dia, enquanto fazia o almoço, recebi uma ligação: telemarketing. Não pretendo fazer juízo algum sobre a profissão e nem sobre a pressão pela qual os operadores vivem para bater metas e cumprir com os protocolos estabelecidos pelo trabalho. A minha questão é com o horário, isso, pois, a hora do almoço é sagrada.

Enquanto eu pensava sobre essas ligações indesejadas, de forma espontânea e sem fazer a menor ideia do motivo que me levou a encasquetar com isso numa manhã de fim de semana, recebi o telefonema de um amigo. Ele precisava desabafar um inconveniente, o que tomou algumas horas do meu dia. É certo que eu amo os meus amigos na mesma medida em que amo uma conversa, o que eu não esperava era o relato exato do que eu andava matutando naquele momento:

– Rafael, no domingo passado, eu tirei o dia pra preparar o meu strogonoff. Usei creme de leite fresco, tomates de verdade, peguei os temperinhos que ficam na bancada em cima da pia, abri minha cervejinha, balancei o corpo no ritmo da música que tocava no rádio naquele momento. Fiz um arroz novinho, coloquei a batata palha na travessa ao lado de uma salada bem colorida e refrescante. Tudo estava perfeito e na temperatura ideal, até fiz um feijãozinho praqueles que cometem a heresia de misturar strogonoff com feijão. Eu estava feliz, de bom humor, empolgado, disposto a agradar todo mundo lá de casa com o meu prato preferido. De repente, sabe quem me ligou?

– Não. – obviamente eu não sabia e também não ia entrar naquela brincadeira de adivinhar o que não estava disposto. Isso porque eu simplesmente queria só curtir, na cama, a minha ressaca do sábado de manhã.

– O Michel!

– Legal! Fazia tempo que vcs não conversavam, né? – Como eu sabia desse hiato na relação dos dois, resolvi estimular o assunto, mesmo pensando só em comer qualquer fritura pra tirar o gosto ruim da boca e amenizar a dor de cabeça.

– Sim! Ele veio me pedir ajuda com uma receita nova. Até aí tudo certo, eu adoro essas coisas, vc sabe disso. Tô sempre pronto pra ajudar. O problema é que o telefone tocou na hora em que eu tinha acabado de fazer o meu prato, acredita? Eu preparei a mesa da sala, sabe? Coloquei a toalha, tudo certinho, organizei as cadeiras, os pratos e os talheres. Tirei os guardanapos de pano e as taças do armário. Coloquei a comida em umas panelas bonitas em cima da mesa. Até usei aquela louça que era da minha avó. Era domingo e queria comer do jeito mais confortável, tipo aqueles almoços que não terminam com o fim da comida. Queria ficar horas ali, falando bobeiras, comentando as futilidades, escutando os casos da Claudinha. Eu só queria isso.

– Imagino. É gostoso mesmo esse movimento do domingo, parece até meio poético, né? Mas e aí? – eu disse isso na expectativa de que fossem revelados os ingredientes da tal receita do Michel e que, abençoadamente, estivessem na minha geladeira. Não foi bem isso que aconteceu.

– E aí que eu fiz o meu prato lindão: coloquei o arroz de um lado, o strogonoff do outro, fiz aquela barreirinha com a batata palha no meio, abri mais uma cerveja e pronto. Não dei nenhuma garfada e meu telefone tocou. Tava tudo perfeito. O prato bonito, aquele molho rosinha, a batatinha bem crocante, o arroz soltando fumacinha. Essa combinação só precisava entrar na minha boca. Só que não. A minha boca estava ocupada demais com dicas de como usar cúrcuma.

– Cúrcuma? Caramba! – a essa altura eu só queria uma coxinha mesmo. Não conseguia nem lembrar o que era o tal do tempero. Na minha geladeira não tinha nem água gelada, o que dirá cúrcuma. Tá de brincadeira.

– É! Ele ia testar uma receita nova no Canal e tava preparando um risoto. Enquanto ele falava do que ia fazer, da sofisticação do prato, da história da comida, da simbologia das cores, eu via minha comida esfriar, eu ouvia, de longe, as risadas que o povo dava ao escutar as histórias da Claudinha. Eu fiquei feliz por ter ajudado o Michel, sabe? Gosto demais dele, mas podia ter me ligado outra hora, né? Na hora do almoço é pesado.

– Pois é. Também acho. Mas, aqui… eu preciso fazer o meu almoço, depois a gente conversa, tá? Beijo. – É claro que essa despedida comeu mais uns 15 minutos da minha manhã e aumentou tanto a minha fome como a minha dor de cabeça.

Rafael Duarte é colaborador do Territórios Gastronômicos.
Territórios Gastronômicos

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